Cuba, um país que desperta sentimentos tão distintos

Um pouco das minhas reflexões sobre Cuba, sem intenção política ou opinião unilateral, apenas minha visão sobre o que aprendi na ilha conversando com os locais, experiências pessoais e percepções através da lente da câmera.

Cuba sempre despertou curiosidade devido a sua história, personagem amada por uns e odiada por outros. Verdade é que não dá pra compreender Cuba apenas por meio dos livros ou de notícias tendenciadas pela crítica do capitalismo ou pela utopia do socialismo, é preciso viver Cuba, é preciso sentir Cuba. Uma coisa é certa, não há outro meio para compreender o país sem mergulhar na história da revolução como postei anteriormente.

Difícil tecer uma opinião definitiva sobre um país tão ambíguo. Cuba é um país de extremos, se por um lado fracassou economicamente, o país é exemplo no quesito saúde coletiva apresentando as menores taxas de mortalidade e de desnutrição infantil da América Latina, apresentando um dos melhores IDH do continente. Cuba investiu em saúde do coletivo e prevenção. Apesar da modernidade da ciência não ter expandido em Cuba o acesso a saúde mínima e gratuita é um dos pontos fortes do país. Porém por outro lado os críticos do governo relatam alguns problemas com o sistema gratuito de saúde como filas, demora no atendimento e falta de medicações e uma medicina atrasada.

Se no campo educacional tem um dos maiores índices de alfabetização por outro lado a liberdade de expressão é limitada. A parte de repressão de ideias contrárias ao regime me parece que perdeu força embora ainda permaneça na mente do povo, não sendo incomum que algumas pessoas ao falar de algum ponto desfavorável do governo me pedissem para não falar nada para ninguém. Essa parte da falta de liberdade com certeza é um dos pontos que mais me entristecem do regime cubano por ser para mim um dos sentimentos mais importantes na vida de uma pessoa. Outro ponto que é questionável no país são os meios de comunicação totalmente tendenciosos a favor do governo.

Além dos altos índices de alfabetização, outro assunto de destaque no quesito educacional é o ensino universitário gratuito e de alta qualidade em que após a graduação o estudante presta serviços sociais na sua área como uma forma de retribuição. Apesar de terem uma excelente formação é comum ver médicos, engenheiros, psicólogos exercendo outras profissões mais rentáveis pois esses cargos universitários exigem que trabalhem para o governo e isso implica em salários baixos. Vários guias, taxistas ou donos de hospedagem apresentavam formações de curso superior mas preferiam trabalhar com turismo devido a melhores remunerações.

Um dos pontos mais fortes de Cuba comparado por exemplo com o Brasil é a taxa de violencia que no país é extremamente baixa, tornando Cuba um dos países mais seguros do mundo. Quando questionei Carlos, um economista de 58 anos qual o motivo do país ser seguro mesmo com o problema econômico ele me respondeu que se deve ao nível cultural dos cubanos, a educação para não violência. Associado a isso o fato do país ser uma ilha portanto sem fronteiras, o combate rígido as drogas, o fato da população comum não ter armas e o sistema prisional efetivo ajudam enormemente na seguranças do país sendo esse um dos motivos de maior orgulho dos cubanos. Sempre quando questionados sobre a vida na ilha são unânimes em responder que amam Cuba pois a vida é muito tranquila por aqui! Conversei com cubanos de diferentes idades e até diferente poder aquisitivo e o que me deixou tranquilo é saber que a maioria está feliz aqui.
Essa parte de segurança é algo muito interessante, caminhar a noite tranquilo em ruas com falta de iluminação em uma cidade grande é algo que não estamos acostumados.
Devido a essa segurança marcante e o ritmo lento da ilha, um hábito muito interessante dos cubanos é sentar em frente das casas no final da tarde para jogar conversa fora, ver as crianças brincando nas ruas e isso nos dá uma impressão muito boa de como sabem aproveitar o tempo em família ou com os amigos.

O sistema econômico é um dos pontos mais questionáveis do regime. Os cubanos podem trabalhar de forma autônoma ou para os serviços estatais. Os salários dos empregos estatais são extremamente baixo pagos em moeda nacional CUP que equivale 25 vezes menos que 1 CUC a moeda para turistas impossibilitando a compra de vários itens comuns no universo capitalista. O governo subsidia a compra de alimentos mensalmente pelo sistema de livretas. Basicamente cada membro da família tem direito a compra mensal de produtos básicos como arroz, feijao, pão, açúcar, sal, carne etc.. (interessante que mulheres grávidas, crianças e pessoas enfermas tem acesso a produtos melhores) a um preço extremamente baixo nas chamadas bodegas, porém os cubanos são unânimes que a quantidade vendida não é suficiente para o consumo mensal e há necessidade de complementação com compra de produtos em estabelecimentos do próprio governo a um preço bem mais elevado e este talvez seja um dos maiores desafios enfrentado pelo povo pois para quem vive de salário mínimo os valores recebidos são extremamente baixos e essas pessoas vivem em condições bem simples. Conheci Cosme um senhor de 82 anos aposentado desde os 60 e me contou que recebe 242 CUP por mês de aposentadoria que seria o equivalente a 9,8 euros mensais e apesar de ser um fã de Fidel e do regime recebe auxílio de uma filha que vive nos EUA.

Embora hoje o isolamento da ilha esteja diminuindo e os cubanos tenham mais liberdade para viajar (pois desde 2014 não existe mais a restrição para sair do país) a economia desfavorável acaba inviabilizando as condições financeiras para uma viagem. Outro ponto que dificulta o processo é que a maioria dos países exige um visto para cubanos e devido a suspeita de imigração, conseguir esse visto não é tarefa fácil. Principalmente nos mais jovens é nítida a vontade de conhecer um mundo além dos limites da ilha. Esse talvez seja um dos pontos que achei mais triste do país porém se compararmos com os brasileiros que recebem salário mínimo diríamos que o cenário não é diferente.

Outro ensinamento importante de Cuba é que aqui o estado laico é respeitado havendo pouca influência da religião nas decisões do governo, algo que infelizmente perdemos no Brasil.

Algo admirável nos cubanos é o fato de serem extremamente cultos. Sabem conversar sobre vários aspectos sociais, econômicos, históricos e artísticos. São apaixonados por literatura, apreciam a boa música e suas habilidades para dançar são admiráveis. Me parece que desfrutam da vida de uma forma intensa, assim como deve ser!

Na política, é nítida a diferença de opinião sobre os diversos aspectos de Cuba entre as gerações. Os mais velhos que viveram a ditadura de Batista e viveram os “anos dourados” do regime pós revolução até a queda da União Soviética nos anos 90 e o início dos graves problemas economicos de Cuba consideram Fidel como um ícone. Já os mais novos tem uma visão um pouco diferenciada pois nasceram na fase de dificuldade da década de 90 e tem acesso a informação mais ampla e o anseio por conhecer o mundo além da ilha. Independente disso são unânimes em dizer que Fidel não foi um político e sim parte da história de Cuba. A morte do líder foi motivo de comoção nacional e com certeza será lembrado com carinho por muitas gerações.

Apesar das belíssimas praias do caribe cubano, das várias tonalidades de azul dignas de cartão postal, estou cada vez mais convencido que em uma viagem são as pessoas os grandes protagonistas e que monumentos e as belezas naturais ficam em segundo plano e Cuba foi a prova mais autêntica disso. A oportunidade de discutir esses diversos aspectos com os cubanos foi uma verdadeira aula de história ministrada pelos melhores professores, os verdadeiros personagens desse enredo. Me sinto extremamente grato por tudo que vivi nessa ilha do caribe tão peculiar em diversos aspectos.

Apesar dessa ambiguidade, uma coisa em Cuba é unanimidade: Cuba é alegria, é música, malandragem, intensidade, sorriso fácil, o sangue latinoamericano fervendo nas veias, o gosto intenso pela vida.

Dificil ter uma opinião formada sobre Cuba sem cair em discurso raso, qualquer visão unilateral sobre a ilha está fadada ao erro. Parece que Cuba não foi feita para entender, foi feita para sentir, viver e desfrutar desse lugar único que desperta sentimentos tão distintos.

Se Cuba é um país fantástico, Havana sua capital traduz de forma única esse sentimento. Desembarcar na capital da ilha é uma sensação ímpar, é como se nos transportássemos para o século passado após ter vivido 20 anos a frente dele. Havana transpira história, nos desperta para essa ambiguidade. Seus casarões, suas ruas estreitas repletas de turista contrastando com a vida simples dos cubanos, os carros antigos, tudo misturado em uma sintonia inexplicável. Seja caminhando por Habana Vieja, passeando pelo Prado, vendo por do sol no Malecon, observando o cotidiano dos cubanos no centro Habana ou Vedado, visitando os diversos museus espalhados pela cidade, fotografando os prédios luxuosos dos hotéis do Parque Central, bebendo mojito ou escutando musica nos bares distribuídos pela cidade, tudo é muito intenso por aqui e faz de Havana uma cidade única que merece ser visitada com tempo para aproveitar cada minuto. Além de transpirar história, Havana ainda tem belíssimas praias dignas da fama do caribe cubano.

Paulo Jark, vice-presidente da Associação Latino-americana de Oncologia Veterinária

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